Recentemente, ao assistir alguns debates entre os candidatos ao executivo de vários municípios brasileiros, percebi a forte presença (como de costume) do tema educação entre as promessas, especialmente em relação às creches (uma vez que, segundo a Constituição que seguimos atualmente, é responsabilidade do município prover educação infantil pública e de qualidade).
No entanto, uma proposta chamou minha atenção: creches para crianças entre 1 e 3 anos de idade no período noturno. É compreensível que mães tenham que usar o período da noite para estudos em curso profissionalizante ou superior, afinal, não é culpa delas, com toda a certeza, que elas precisem de um diploma para ter condições melhores de vida.
A proposta reflete uma realidade que vem se fazendo cada dia mais difícil de ignorar: a economia e o poder de compra da população brasileira vêm se definhando em um ritmo galopante; hoje em dia, é luxo, em uma família das classes C e D haver alguém disposto a cuidar dos afazeres domésticos e das crianças. De modo que, para compensar pela incapacidade de suprir as necessidades básicas de vivência humanas, o Estado brasileiro tem a enorme generosidade em disponibilizar creches do início do dia até o período noturno, para que, lutando contra uma situação econômica praticamente irreversível com as iniciativas disponíveis atualmente, os pais possam, como diz o ditado, matar um leão por dia na busca do ganha-pão diário.
E a iniciativa privada pouco tem favorecido essa situação. Muito pelo contrário, estão tirando proveito dela. Nas grandes capitais, quem recebe um salário mínimo não tem nenhuma outra saída além de alugar um imóvel ou comprar de forma irregular, já que as empresas que atuam no ramo imobiliário têm artificialmente inflado o preço dos imóveis, comprando-os e vendendo aos poucos, com um preço muito além do que se consideraria justo. De maneira semelhante, o Estado brasileiro disponibiliza seus paliativos, construindo complexos habitacionais através de programas como o Minha Casa, Minha Vida disponibilizando 100 ou 150 residências para quem precisa.
Seria óbvio apontar que essas residências disponibilizadas são uma medida praticamente ineficaz em relação ao grande problema que se presencia: a incapacidade do Estado em prover o mínimo para a sobrevivência e dignidade humanas. A natureza liberal do Governo Brasileiro atualmente deixa-o de mãos amarradas em atuar numa direção que permita uma valorização do justo trabalho, da participação nos lucros da empresa, da possibilidade da mãe cumprir seu papel natural de cuidar de seus filhos de forma integral durante os primeiros meses de vida.
Será somente sob uma economia organizada (e não dirigida, como pregam tanto alguns elementos de esquerda) que será possível o boicote total de medidas como a valorização artificial e o lucro ilícito.
Em “O Século do Corporativismo”, Mihail Manoilesco aponta a economia organizada como a forma mais justa de descapitalização da sociedade moderna. Uma vez que as necessidades são suprimidas pela economia organizada (através das corporações), não é mais necessário o modelo capitalista atual, sem ter que o substituir por uma economia verdadeiramente asfixiada pelos aparelhos estatais. Economia organizada é sinônimo de modelo econômico onde o capital, o trabalho e o Estado agem juntos para analisar necessidades e suprimi-las, sem a visão unilateralista estatal de paliativos diretos na forma de programas “sociais”, que são usados, aliás, para a compra indireta de votos. Estabelecer uma economia organizada é, enfim, um processo de desenvolvimento individual e social da cidadania nacional. E se não sairmos da liberal-democracia morna que vivemos, vamos, a cada quatro anos, votar em fulano ou ciclano, na esperança de sair do aluguel, ou de não precisar ter uma rotina de 14 horas diárias…
Autor: João Guilherme.